Eu, Lílian
Cristina, nasci no dia 30 de abril de 1958, na cidade do Rio de Janeiro. Meus
pais se chamam Nilo e Iza.
Meu
nascimento se deu no oitavo mês de gestação devido a um susto que minha mãe
levou. Meu parto foi normal, embora eu estivesse sentada, e, portanto, tudo
indica que nesse momento eu sofri uma anoxia que causou o problema neurológico
de que sou portadora. Entretanto, não posso afirmar que este problema foi
causado exatamente no parto, porque após meu nascimento quase morri sufocada
com a normal secreção que todos os recém nascidos têm e que não deve ter sido
bem aspirada; além disso, também faltou oxigênio na incubadora, pois o
responsável pelo setor tinha ido almoçar e levou a chave do balão de oxigênio,
o que não permitiu que mais ninguém pudesse fazer a troca do mesmo. Este
contratempo levou meu pai a chamar o Serviço de Oxigenoterapia, que por sinal
levou cerca de quarenta minutos para chegar, a fim de salvar a minha vida.
Posteriormente fui para casa com uma forte icterícia. Hoje é sabido que a
icterícia pode causar muitos problemas de ordem neurológica à criança.
Meus pais,
apesar de jovens e inexperientes, eram muito cuidadosos, e me levavam
mensalmente ao pediatra. Este, apesar de meus pais exporem suas preocupações
com meu desenvolvimento locomotor, que não lhes parecia normal, dizia que a
demora no meu desenvolvimento era por eu ter nascido fora do tempo. E devido a
este diagnóstico meus pais só descobriram que eu tinha um problema neurológico
quando eu já tinha quatro anos. Só então eles ficaram sabendo que eu era
portadora de paralisia cerebral.
Desde então
eles têm feito tudo o que podem para que eu tenha uma boa condição de vida e
melhore sempre mais, ou pelo menos mantenha as conquistas feitas.
Até meus
doze anos fiz fisioterapia ininterruptamente; depois, como me disseram que eu
não alcançaria maiores melhoras, resolvi parar com a fisioterapia e investir
todo o meu tempo nos estudos. Eu estava no ginásio, hoje 5ª serie do primeiro
grau, e estava achando muito difícil conciliar as duas coisas, visto eu não
conseguir ter agilidade motora para escrever. Minha decisão teve o apoio dos
meus pais, já que minha preocupação primordial passou a ser o meu futuro. Eu
desejava ser alguém, ter uma profissão, e lutaria por meu objetivo.
Em 1979
entrei para a Universidade Santa Úrsula, onde cursei a faculdade de Letras,
Português-Literatura.
Após a minha
formatura comecei a me preparar para fazer concurso público e a procurar
trabalho em escolas. Logo descobri que em escolas particulares dificilmente
conseguiria dar aulas, já que para ser contratada era preciso ser indicada por
outro professor e a maior parte dos meus colegas de turma não haviam conseguido
exercer a profissão, indo cada qual trabalhar com o que conseguiam. E depois,
como ouvi de um amigo, uma escola particular dificilmente admitiria em seu
corpo docente uma pessoa deficiente. Por outro lado, nos concursos para o
magistério, apesar de me sair muito bem nas provas, percebi que seria muito
difícil eu obter uma boa classificação, pois além das provas era somado pontos
de quem tinha pós-graduação e experiência de turma, e eu não poderia ter nem
uma coisa nem outra. A pós-graduação eu não tinha condições econômicas para
fazer, já que meus pais estavam tendo gastos grandes com a construção de uma
casa e outros compromissos deles, além de estarem pagando um curso para mim na
Aliança Francesa; e a experiência de turma eu só teria se trabalhasse,
portanto... Mesmo assim mantive acesa a esperança de exercer minha profissão
por quase dez anos. Nesse meio tempo tentei dar aulas particulares, mas
descobri dois obstáculos a minha frente: primeiro o fato de não poder ir a casa
do aluno e segundo o fato de que 99% dos estudantes só procuravam professores
particulares de matemática, física e química; e os que procuravam ajuda em
português o faziam apenas no fim de ano, como se os professores fossem capazes
de realizar milagres.
No fim
desses quase dez anos resolvi procurar e aceitar qualquer trabalho que me
aparecesse e me cadastrei até em supermercados. Nada consegui.
Em 1992
minha irmã Lenise deu a luz a uma linda menininha, minha sobrinha Luiza, para
quem passei a viver. Se Deus não me deu a oportunidade de trabalhar era porque
meu destino deveria ser outro e, nessa época, achei que possivelmente minhas
responsabilidades na vida seriam auxiliar a minha irmã, que é dentista, na
educação da minha sobrinha. Meus dias eram a seu lado, brincando para que não
se sentisse sozinha enquanto criança, já que era filha única e neta única, por
nosso lado.
Nessa época
também já havia me deparado com a necessidade de me dedicar ao lado religioso,
coisa que passou a ser , junto com Luizinha, uma prioridade em minha vida.
A fé que
percebi ter em mim passou a ser meu sustentáculo na vida. Digo que para mim não
pode faltar a fé e a alegria, pois sem isso a vida se torna negra e tudo fica
realmente muito mais conturbado. Os problemas se tornam maiores do que
realmente são. E, graças a fé que tenho em mim passei por 1 cirurgia no pé
esquerdo, que quase me levou a vida, quatro cirurgias na coluna, a
penúltima com grande risco, uma cirurgia no punho e uma cirurgia no quadril
esquerdo, e me separei de minha sobrinha, pois morávamos juntos – nós e minha
irmã, sem desabar.
Em 2001 a
vida me deu mais uma alegria, um sobrinho lindo, o Felipe. No entanto não pude
acompanhar nem brincar com ele como fazia com minha sobrinha, porque neste ano
nós nos separamos. Por necessidades vendemos a nossa casa e nossos pais compraram
um apartamento para minha irmã e construíram uma casa adaptada às minhas necessidades
físicas, que se tornaram um pouco maiores. Foi dolorido não poder estar com meu
sobrinho, mas o amor que sinto por ele é tão intenso quanto o que sinto por minha
menina. É muito bom ser tia.
Hoje sei que
toda a minha caminhada me levou a descoberta de que minha inteligência, o
prazer que sinto com um bom livro, e a minha própria deficiência, aliás hoje
com novo diagnóstico – Paralisia Cerebral Distônica são a minha tarefa na vida.
Minha responsabilidade nesta existência é, além de vencer as minhas próprias
deficiências morais (que são muito piores na vida de qualquer pessoa), passar
fé, alegria, força e resignação aos meus irmãos perante o Pai eterno.
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